• Frase da Semana :
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  • Ao final, não esperem uma verdade absoluta, pois terei que infelizmente lhes informar que não há. - Amanda Lemos -

sábado, 19 de novembro de 2011

Prateleira Literária I



Chuva de Novembro

A chuva fria que caía lá fora, o fez pensar em quanto odiava a chuva, quanto odiava novembro. Era uma preparação natalina, pacificação de sentimentos, benevolência das pessoas. Odiava tudo. Soava hipócrita. Renegava a hipocrisia. Sempre teve tudo, por mérito seu, rejeitava e desprezava as pessoas que usavam a desculpa quando não conseguem o que querem. Fracos e ineptos. 

- Ainda observando a chuva? Você a odeia deixe-a cair para os que a admiram.
Ela ressurgiu então, colocando seus pensamentos de volta no lugar. Não tinha percebido como aquela sua blusa lhe caía tão bem. Ficava engraçada e graciosa. Não poderia descrever de outra forma.
- Não estava a observando, só pensando.
Obrigou-se a dispersar do pensamento libertino, que martelava sua cabeça em saber se ela ainda conferia aquele corpo miúdo de dez anos atrás. Sabia que não, mas não podia deixar de pensar. Era tudo que pensava ultimamente. Pensava também se aquela menina, a quem confiava todos os segredos, continuava ali, naquele corpo de mulher oblonga. 
- Pensando? Em que? Ou no seu caso, em quem?

Claro, tornara-se o típico rapaz Casanova. Assediado e desejado por todas em sua volta, esgueirava-se das meninas após uma noite. Ela sabia das suas façanhas e sempre o repreendia com sorriso no rosto, gostando das histórias de fugas e ereção. 

Ele não tinha mais em quem pensar, sua mente vagava a procura de uma mais bonita, ou mais sensual, ou mais segura de si. Mas não encontrava. O pensamento se estendia a ela. Somente. Como sua mente foi capaz de traí-lo assim? Negar que estava apaixonado já era impossível. Não conseguia mais se conter em sua presença. Isso o sufocava.

- Só pensando. Os anos passaram rápido, não acha? Você está diferente.
- Cresci, como você, mas continuo a mesma.

Ela percebia algo inconstante em sua voz, mas não sabia decifrar. Sempre tão misterioso. Estava de fato, mas ela não deu importância, assim ele era, se fosse alguma coisa, ele lhe confessaria, como sempre foi. Mas ainda é? Também não sabia, preferia não pensar, o esoterismo nunca foi seu forte, as coisas diretas que agradavam.

Diretos um com o outro. Criaram a amizade baseada nisso. As mais puras verdades eram jorradas, não precisavam ser belas, pois sabiam que não importava quão difícil fossem, estariam ali, reconfortando um ao outro. Quantas foram as vezes que adormeceram na mesma cama? Vestidos apenas de velhas camisas, sempre dele. Como ela adorava se fantasiar dele! E ele respondia a altura, adorava vê-la com um pedaço seu, mesmo que não passasse de pano. Era por um momento dele.

E as brigas? Corriqueiras e intensas. Palavras maliciosas eram dirigidas, lágrimas derramadas, tapas vazios. Até que percebiam quão pouco aquilo era, comparado ao que sentiam um pelo outro, a amizade existente. Sim, amizade. Não passava de amizade, não poderia passar. Eram amigos e só. Mas, e os olhares, mensagens, ciúmes, saudade? O que eram? Amizade, claro. Frutos de uma amizade eterna. Era o plano.

- Somos os mesmos? Ele a indagou, pegando-a desprevenida.
Ela não sabia o rumo que aquela conversa tomava, mas não gostava do jeito que as coisas seguiam. Estava com medo. Medo de entregar a verdade. Medo que ele descobrisse que sua amizade não era mais amizade, apenas. Medo de olhar nos seus olhos, como fazia antes, e deixar transparecer a vontade que tinha de beijá-lo ali. Nada seria mais perfeito. Só queria um beijo, vinha querendo um beijo há muito tempo, mas nada teria. Não era possível ter. Os beijos pertenciam às outras. Dele, ela só teria as preces, o medo, a raiva, as discussões sobre filmes. Não poderia exigir nada, sabia disso, mas saber não é querer, e o que queria era um beijo, poderia ser de brincadeira, de falsa verdade, não importa, só queria que acontecesse.

- Claro! Do que está falando? Você viu Casanova? Nós podíamos assistir de novo, adoro compará-lo a você, e ver como ele é mais bonito.

Sempre fugindo. Era o que ela fazia de melhor, fugir dos assuntos que lhe incomodavam, era profissional em fazê-lo.

- Não quero ver de novo, quero conversar, sobre nós.

Sentiu o coração subir-lhe à garganta. Como ele podia querer falar sobre nós? O que havia para falar?
Estava nervosa demais e sabia que era perceptível, ainda mais para ele; tinha que se esgueirar.

- Mas é um bom filme! Você sempre gostou e sempre tirava vantagens. Que tal pipoca? Vou fazer! 

Não me siga! Não me siga! Era atormentador vê-lo daquele jeito, sem camisa. Como podia lhe ofuscar tanto a visão assim?! E estava próximo demais, podia ouvir as batidas do seu coração inundando a sala.


Não irá escapar desta vez. Era tudo que ele podia pensar, não permitiria que acontecesse de novo, seu corpo estava quente demais e estavam sós. Precisava daquilo, desejara tanto que o tormento já era seu companheiro fiel.

A seguiu até o espaço gourmet e percebeu como o dia estava bonito, nublado, convidativo para um beijo. Sim, teria o seu beijo esperado. Sabia que ela queria tanto quanto ele, só precisava saber como fazê-lo de forma correta. Na verdade, não sabia se existia forma correta, mas não queria pensar.

Enquanto ela conversava descontroladamente, ele a reparava. Esqueceu como tinhas bonitos cabelos claros que caíam sobre as costas suavemente, esqueceu como seu corpo se transformara, exibindo protuberantes seios e longos quadris. O encaixe perfeito. O seu encaixe perfeito. Só precisava daquilo. Era sua felicidade. A desejava tão inescrupulosamente de forma tão pura, diferente de tudo antes experimentado, que lhe doía pensar que não a teria, ou pior, que outro a teria. Perfurar sua cabeça com um prego seria uma fiel comparação. 

Ela o sentia por perto, sentia a falta de atenção que ele lhe dava. Não importava. Continuava a tagarelar para libertar a chama de dentro, para livrar seus dedos da frieza, se livrar do suor que besuntava seu corpo.  

Virou. Encarou. Desejou. A um passo ele estava, com olhos tão ternos que ela se esqueceu por um instante quem era, o que era, por que era. Estava a um passo do que mais importava, já não podia fugir, não queria fugir. Tinha que se entregar. Era o correto. Eles pertenciam um ao outro. 

Beijo. Tão demorado, quente e profundo, que distinguir os corpos não mais seria possível. Descobriram um ao outro, se permitiram. Continuar era não sensato e o mais sensato. Uma vez começado, interromper seria errado.

Se amaram naquele chão, naquelas circunstâncias, com a chuva fina do lado de fora. Cada parte do corpo desvendada era alegria. Cada toque era imerso em um prazer tão verdadeiro, que acharam que iram morrer ali mesmo. Tão puro, tão inócuo. Precisavam um do outro, seriam um do outro, alimentariam aquele sentimento, por que por mais errado que poderia ser, era o mais certo também. Difundir o certo do errado agora, era como distinguir a água do mar com a do oceano.



Texto de Priscila Lemos

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, aqui é a Fabiana(japa), sua colega. Eu li esse conto e achei muito bom, você escreve muito bem. Fiquei admirada.
Seu blog é ótimo; pena eu ter lido apenas essa parte por ter me distraído com outros pontos(faz um tempo que não entro na internet) mas amanhã eu lerei mais coisas e comentarei de forma mais decente.
Parabéns!

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Aqui não se conta tudo, porque o tudo é um oco, é um nada. Se conta somente, e o somente não necessita de explicação.

Amanda Lemos